“Você precisa estar ‘ferido’ ou mentalmente doente para ser um grande artista?”

Sergio de Souza
2 min readAug 28, 2020

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(tradução: Sérgio de Souza)

A pergunta que dá título a este post é de: LATABAN, ENSENADA, MEXICO

A outra pergunta respondia por Nick Cave, que compõe com a primeira a de número 81 do Red Hand Files é:

“O que faz uma grande canção?” (MILA, AMSTERDAM, HOLANDA)

Resposta:

“ Caros Lataban e Mila,

Tenho a impressão de que muitos dos grandes artistas, especialmente os músicos, parecem ter um senso extremamente conflituoso sobre si mesmos, enquanto perseguem persistentemente sua própria singularidade, ainda que isso contrarie as ortodoxias de sua época. Eles tendem a ser estranhos, observadores do abismo e desajustados, cuja percepção do próprio isolamento é ainda mais amplificada por sua notoriedade, e que usam sua arte como uma forma de se conectar com as pessoas e legitimar sua própria estranheza. Eles entendem, em algum nível, que é da natureza de sua vocação cruzar as fronteiras das convenções, coletar ideias e devolvê-las ao mundo. Isso requer um certo espírito de imprudência e pode ser que alguns fiquem muito tempo do outro lado e que lhes seja difícil voltar. No entanto, se nisso, há algo de doença mental real, eu não sei. Este termo parece muito elástico, muito nebuloso para ser comentado.

Se ser ferido é um requisito necessário para a criatividade, só é verdade à medida em que viver é, em parte, sofrer. Você não pode criar sem sofrimento, porque não pode viver sem sofrimento. Uma das funções de um compositor, a meu ver, é desenvolver estratégias para ajudar as pessoas a transcender suas tristezas. Esta é a dualidade única de uma grande canção — fazer refletir no ouvinte a extensão de sua própria dor, mas, ao mesmo tempo, elevá-lo acima disso. Quantas vezes a música nos levou às lágrimas e, chorando, nos vimos conduzidos à transcendência ?

Parte do processo de composição musical é ficar alerta para a natureza das próprias feridas, sem ceder a elas, gravitar rumo à felicidade, quando possível, para aventurar-se além da convenção e da aceitabilidade sem se perder, compreender que nossas crenças mais preciosas existem bem distantes do que cremos saber, e ir para lá com cautela, mas sem temor e, talvez, o mais importante de tudo, lembrar de voltar.

Com amor, Nick”.

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Sergio de Souza
Sergio de Souza

Written by Sergio de Souza

Trabalho com produção de conteúdo textual. Brinco de traduzir The Red Hand Files.

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