Uma resposta de Nick Cave sobre o perdão a si próprio
Na edição 175 de The Red Hand Files / Novembro de 2021
A verdade é que traí a própria essência da minha alma e nenhum conhecimento pode curar essa ferida. É como se mover constantemente na névoa, sem ter para onde ir ou estar. Eu simplesmente não consigo me perdoar.
THOMAS, LONDRES, Reino Unido
“Caro Thomas,
Pelo que posso ver, suas opções são bastante limitadas — ou você permanece suspenso em um estado de miséria e aversão a si mesmo ou se move em direção a algum tipo de perdão. Você sente que cometeu um ato imperdoável, o que pode ou não ser verdade. De fato, existem alguns atos que são repreensíveis, que simplesmente extrapolam limites, aos quais precisamos estar atentos e repeli-los, a fim de não mais repeti-los, ou trazer essas ofensas de volta para nossas vidas. É contrário ao nosso próprio senso de dignidade humana e justiça pensar de outra forma. No entanto, mesmo que o ato pareça imperdoável, devemos perdoar.
Perdoar é talvez a capacidade humana suprema. Pode parecer contra-intuitivo, mas é totalmente crucial para nossa sobrevivência, e não apenas a nossa, mas também a de nossa espécie em geral. É o que Derrida chama de “uma loucura do impossível”. Em suma, devemos nos esforçar para perdoar o imperdoável.
Este ato de perdão radical é extremamente difícil porque nosso instinto de justiça e vingança parece muito mais natural e humano do que descobrir em nós mesmos o perdão. Entretanto, como fica claro em sua carta, esse instinto, quando se volta para dentro de nós mesmos, pode ser absolutamente desastroso.
Porém, há um caminho a seguir, e é este — devemos tentar separar o ato em si da pessoa que o executou. Condenamos o ato, mas somos misericordiosos para com quem o cometeu. Isso pode parecer uma impossibilidade, especialmente quando a pessoa que precisa de clemência é você mesmo. No entanto, o fato de você se sentir tão abjeto a respeito de tudo o que fez, indica que está realmente caminhando para alguma forma de absolvição.
Todos temos arrependimentos e, por pior que pareçam, eles são sinais do nosso crescimento como seres humanos. Uma pessoa sem arrependimentos está simplesmente levando uma vida não examinada. Pessoalmente, tento ver nossas transgressões não como pecados, mas como sofrimentos — enxergar que temos em nosso âmago uma bondade essencial, mas que, com o tempo, é acumulada com camadas de sofrimento que levam, no final das contas, a todo tipo de mau comportamento.
É importante ter em mente que somos principalmente pessoas boas que fazem coisas más — todos nós — e o perdão, tão contrário aos nossos instintos como tantas vezes parece, é o componente crucial que pode nos conduzir para fora da escuridão e de volta para o mundo.
Com amor,
Nick