Semana Santa, Sábado

Sergio de Souza
3 min readApr 3, 2021

--

Para Amélia de Souza (1949–2021)

‘“A mãe de Lemminkainen” (1897) de Akseli Gallen-Kallela

O compositor polonês Henryk Górecky tem sua obra mais famosa na belíssima e triste “Sinfonia n.3" também chamada “Sinfonia das Canções Tristes”. Triste porque é sobre uma mãe que perdeu seu filho na guerra, bela porque Górecky é um gênio musical. Para compô-la, recorreu à uma canção popular de título “Para onde terá ido o meu querido filho?” O compositor ficou fascinado com a poética do texto: “Não há pena, desespero ou resignação, nem gesticulações exageradas: só há a dor e os lamentos de uma mãe que perdeu o seu filho”. Católico, Górecky não pôde deixar de ver no sofrimento dessa mãe a dor da Virgem Maria, Nossa Senhora da Piedade, a Pietá, que também lamenta no silêncio deste sábado, a perda de Seu Filho. O músico também acrescenta à sinfonia um texto que continha uma lamentação da Virgem ao crucificado: “Oh, filho meu, o Amado e Eleito, partilha as tuas feridas com tua mãe…”

***

O quadro que ilustra esse texto, A mãe de Lemminkainen (1897) de Akseli Gallen-Kallela representa uma cena do Kalevala, poema épico finlandês. Um guerreiro chamado Lemminkainen havia sido assassinado, cortado em pedaços e lançado no Tuonela (similar ao Hades na mitologia grega). Sua mãe recupera os pedaços de seu corpo e ressuscita-o. Nossa Senhora também recolhe o corpo dilacerado de Jesus descido da cruz, não o ressuscita, mas guarda no coração a promessa da ressurreição daquele corpo que viu entregar-se na cruz, de onde não arredou o pé.

Ela havia escutado a promessa do anjo dizendo “o seu reino não terá fim”, mas tudo o que tinha diante dos olhos era a derrota de seu filho crucificado. No entanto, foi a primeira a crer na ressureição. O fato de permanecer firme aos pés da cruz faz com que alguns teólogos a chamem corredentora: imolada (no coração), mas de pé, como o Cordeiro do Apocalipse. Embora sua sobriedade a impedisse de correr para o túmulo como João, Pedro e Madalena, no coração ela já carregava a certeza da ressurreição. A fé testada e inquebrantável da Virgem não necessitava mais da visão.

Ainda assim, atravessou, solitária e silenciosa , o deserto deste sábado. Os sábados são expectativas de domingos, sempre vésperas de ressurreição, portanto cheios de ausência e vazio. Ausências significativas, mas que não deixam de doer na alma. O Sábado Santo é um vazio; até os crentes sentem o coração gelar quando olham para um mundo no qual se sente a ausência da transcendência e torpor de uma vida sem salvação.

O que as pessoas esperam dos sábados é que se transformem logo em domingos, que a morte se transforme em vida nova, que o fruto que demora volte a vicejar. O Sábado Santo é uma espera sofrida. A morte parece imperar sobre o mundo.

Mas ela não terá a última palavra.

--

--

Sergio de Souza
Sergio de Souza

Written by Sergio de Souza

Trabalho com produção de conteúdo textual. Brinco de traduzir The Red Hand Files.

No responses yet