Pop orquestral
Para comemorar o dia do músico, memória litúrgica de Santa Cecília, uma listinha de “pop orquestral”.
Pesquisando para um texto sobre Nick Drake, chego à conclusão de que a lista dos melhores discos de música pop de todos os tempos que combinam baixo-guitarra-bateria-teclados com arranjos de cordas e metais (orquestra), talvez seja a mesma lista dos melhores álbuns de música pop de todos os tempos.
Aqui uma listinha de álbuns de “pop orquestral” com alguns comentários:
The Beatles — Revolver, Sgt Peppers e Abbey Road
Um dia Paul McCartney sonhou com uma música. Acordou e a escreveu. Quando foi gravá-la, ao violão, George Martin sugeriu acrescentar um quarteto de cordas. Fez um arranjo barroco com acento bachiano. A canção era Yesterday. Os Beatles nunca mais abandonaram a ideia de mesclar elementos e instrumentos clássicos à sua música. Estava inaugurado o pop barroco, de álbuns como Revolver e Sgt. Peppers.
Bem, o Abbey Road, o melhor álbum dos Fab Four, já era um passo à frente, mas também apresentava maravilhosos arranjos orquestrais para Something, Here Comes The Sun, Golden Slumbers, Carry That Weight e The End.
Tudo arranjado e conduzido por George Martin.
Nico — Chelsea Girl
Reza a lenda que Nico achou uma porcaria quando ouviu seu álbum de folk rock (a banda que tocou no álbum foi o Velvet Underground) transformado num disco de folk de câmara cheio de cordas barrocas e flautas arranjado por Larry Fallon. Duvido que ela não tenha gostado mesmo. Pouco importa, nós amamos.
Beach Boys — Pet Sounds
Não há muito o que dizer. Pet Sounds não é um álbum, é uma experiência. Nunca mais ninguém gravaria um álbum de música pop com orquestra (e instrumentos exóticos) desse jeito. Nem os Beatles.Nem o próprio Brian Wilson.
Marvin Gaye — What’s going on
Ouvir as cordas isoladas da canção-título (tem no YouTube) dá a exata noção do gênio de Marvin Gaye, que não escrevia, mas gravava fitas assobiando as frases dos violinos, transcritas depois pelo regente/orquestrador David van DePitte. Coisa de louco. Pra ouvir de joelhos.
Nick Drake — Five Leaves Left e Bryter Layter
Drake não gostou dos arranjos originais feitos para o seu primeiro disco. Chamou seu amigo, Robert Kirby, amante de Bach, e especialista em arranjos de corda para refazê-los. Kirby e Drake fizeram do folk uma arte barroca. A dupla gerou essas duas obras-primas absolutas.
O arranjo de River Man, talvez a canção mais emblemática do cantor e violonista, foi feito por Harry Robinson.
Van Morrison — Astral Weeks
Pobre Larry Fallon. Nico detonou seus arranjos para Chelsea Girl e Van Morrison assim se expressou o seu trabalho em Astral Weeks: “Eles arruinaram o trabalho. Adicionaram cordas. Eu não queria as cordas. E eles enviaram para mim, estava tudo mudado. Isso não é ‘Astral Weeks’.”
Mas Van The Man estava errado. Isso é Astral Weeks, sim. É lindo, e com belíssimas cordas.
The Smiths — The Queen Is Dead e Strangeways Here We Come
Os arranjos de cordas emulados num sintetizador Roland por Johnny Marr emolduraram pelo menos três canções que estão entre as mais constantemente citadas pelos fãs — e pelo próprio Marr — como a número um da banda: I Know It’s Over, There is a Light that Never Goes Out e Last I Dreamt that Somebody Loved Me.
Morrissey — Viva Hate
Para contrastar com as cordas sintetizadas dos dois últimos álbuns dos Smiths (e talvez para implicar com Johnny Marr), o produtor Stephen Street e Morrissey contrataram um quarteto de cordas de verdade, que brilhou sobretudo em Everyday is like Sunday e na dramática Angel, down we go together (só com as cordas e uma interpretação marcante do cantor).
Love - Forever Changes
Um dos discos mais bonitos dos anos 60. Se com os Beatles e os Beach Boys a coisa soava grandiloquente, com o Love os arranjos orquestrais compunham um panorama mais simples, embora não menos sofisticado: climas acústicos, dedilhados delicados de violão, sonoridade folk-psicodélica,modulações nas harmonias. Eis o “baroque pop”, ou pop de câmara, em sua versão menos megalomaníaca. “The Red Telephone” é de arrepiar.