O sábado do menino
É sábado. Meu filho acorda às cinco da matina chorando porque quer um “trem”. Minha mulher levanta, pega o trenzinho de brinquedo, liga a tevê, mas nada consola o menino. Ele quer a vida. A manhã chama, não adianta o pianinho do Studio Ghibli. O galo canta, tece com seu canto rouco a manhã de sábado. Até parece que o menino sabe que é sábado. O Shabat do descanso dos judeus, mas não dele. O sábado do menino é dotado de todas as vocações para a diversão e para a vida. A vida, que como uma cúpula de vidro multicolorido, mancha o esplendor branco da Eternidade. O sábado que traz a vida que vem em ondas como o mar. Não tem jeito. O menino quer a vida, o menino quer brincar. Levanto, faço o café, deixo o piano do Ghibbli, rezo, pego meus livros e observo a manhã que nem ensolarada é. Vai ser um sábado sem namoro de mãos dadas na praça, sem sorvete. Um sábado qualquer de fim de agosto. Mas um sábado em que importa viver.
Meu filho tem a vocação para o movimento, eu para o repouso. Ele é do partido de Heráclito, eu do de Parmênides. Ele é o rio que corre, eu a pedra que cria limo. Ele quer passar pelo tempo, eu quero deixar o tempo passar por mim. Meu filho quer passar, eu quero ser transpassado. Meu filho tem a vocação do sábado, da vida que vem em ondas, eu a do domingo, o instante das pausas. Ele é o herói, eu sou o poeta. Ele quer viver, eu observar. Ele quer agir, eu registrar. Ele é Nova Iorque, eu sou Itabira.
E, no entanto, hoje é sábado. Cabe-me levantar e cuidar da vida.