João na praia

Sergio de Souza
2 min readDec 13, 2018

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“A children’s song
Have you listened as they played
Their song is love
And the children know the way
That’s why the child is the father to the man”
(Surf’s Up, Beach Boys
)

João viu o mar. Mar imenso, desmedido. João viu que o mar era bom. João se atirou ao mar. O mar sirênico, sedutor. O mar terrível e edificante. O mar misterioso e inconsútil. O mar de Melville e Conrad. O mar que banha a Grécia. O mar da Galileia. As lágrimas de Portugal.

João entregou-se às ondas. “Não vá para perto da água!” João deixou-se enterrar na areia. Bebeu a água do mar. Sofreu o mar, sorveu-o. Com o prazer e a alegria do bebê que mama pela primeira vez. Com a ansiedade do passarinho que aguarda a mãe voltar ao ninho.

A tertúlia de João com o movimento das ondas. A força de João e a fraqueza do mar. O mar bíblico e tenebroso, de uma beleza que nem Adônis pôde mensurar. O mar que devolveu Jonas e Pinóquio, mas que engoliu Guma. O mar refletido nos olhos de ressaca de Capitu. O mar das redes abarrotadas de cento e cinquenta e três grandes peixes. O mar calcado pelos pés do Mestre. Indomável mar de vidro condensando a voz de todos os sábios e profetas. O oceano apocalíptico.

João que nunca viu o mar. João dos alfabetos e desenhos. João que nunca quis ser padre. João baterista, dos esqueletos, do Minecraft, do Homem-Aranha, dos dinossauros. João de Roncalli. João de Woytila. Aquele que Jesus amava. Indigno de desatar as correias das sandálias.

João inocente, o mar, virgem. A praia, um céu; as areias, um templo; o mar, uma divindade. João, ungido pelo sal, fazia de si mesmo um santo.

João é muito maior do que o mar.

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Sergio de Souza
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Written by Sergio de Souza

Trabalho com produção de conteúdo textual. Brinco de traduzir The Red Hand Files.

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