Cristianismo: experiência e testemunho

Sergio de Souza
4 min readApr 15, 2021

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Thomas Merton e o jovem Dalai Lama

Das coisas que mais impressionaram o jovem Dalai Lama em seu encontro com Thomas Merton em 1968 foi que o monge católico sempre conversava com ele “a partir da experiência”. Ou seja, Merton fez o líder budista entender de alguma forma que, por mais que fosse um apaixonado por cultura, arte e literatura, o cristianismo não era algo que se aprendia nos livros, mas era uma relação. Mais do que simplesmente um “intelectual”, Merton agia como uma testemunha.

São Pedro, em um capítulo dos Atos dos Apóstolos, interpelado pelo sumo sacerdote, que acusa os cristãos de “encher Jerusalém com sua doutrina”, também fala a partir da experiência. Pedro insiste em dizer que não está espalhando uma doutrina, mas que é testemunha de algo que “viu e ouviu”: esse Jesus, que vocês crucificaram, foi ressuscitado por Deus e está vivo; não li isso em um livro, eu vi com meus próprios olhos…. Nós — eu, meus companheiros e o Espírito Santo — somos testemunhas disso!

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Eu acredito que a arte, a natureza, a música e a literatura falam das coisas do céu. Acredito que Aquele que dá o espírito sem medida, também derramou o Espírito sobre toda carne.

É belíssima, por exemplo, a descrição, no Salmo 18, que a Bíblia dá do testemunho que a natureza presta à glória do Senhor que se “esconde” nos céus, no firmamento, nos dias, nas noites e no Sol:

“Narram os céus a glória de Deus,

e o firmamento anuncia a obra de suas mãos.

O dia ao outro transmite essa mensagem,

e uma noite à outra a repete.

Não é uma língua nem são palavras,

cujo sentido não se perceba,

porque por toda a terra se espalha o seu ruído,

e até os confins do mundo a sua voz;

aí armou Deus para o sol uma tenda.

E este, qual esposo que sai do seu tálamo,

exulta, como um gigante, a percorrer seu caminho.

Sai de um extremo do céu, e no outro termina o seu curso;

nada se furta ao seu calor.”

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Mas eu também acredito que o homem, sacerdote da Criação, e cocriador com o Senhor, aquele que “dá nome aos animais”, feito à sua semelhança, dotado de inteligência, vontade e liberdade, é quem reúne esses frutos da criação (e da criação transformada pelo homem) — a cultura, o trabalho humano — e devolve tudo isso ao Senhor em um sacrifício de louvor, porque só ele, o homem, tem a consciência e as luzes para tanto…

E o homem só tem condições de fazê-lo porque Cristo encarnou-se e no sacrifício da cruz o salvou.

O homem só é sacerdote porque Cristo é o Único e Eterno Sacerdote que, em seu sacrifício, recapitulou em si todas as coisas: o homem, que está indissoluvelmente unido a Cristo pela encarnação, e, com o homem, toda a criação e toda a co-criação humana.

O homem, “ única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma” (Gaudium et spes,24) (tudo o mais foi criado para o homem), possui essa prerrogativa porque o Verbo é o paradigma da humanidade (Ecce Homo), o único querido por Deus por si mesmo, o único para o qual tudo foi criado. Essa unidade absoluta do Verbo é fonte da unicidade humana diante de Deus. E o Verbo se fez homem…

E se o Verbo se fez homem, se é o paradigma da humanidade, é a imitação de Cristo, em suma, a busca da santidade, a verdadeira beleza que deixa os homens extasiados diante de uma possibilidade de transcendência. Se acredito que a beleza produzida pelos homens — a arte, a música e a literatura — e a beleza da criação, falam das coisas do céu, é, acima de tudo, a beleza da santidade o que dá o mais autêntico e verdadeiro testemunho diante dos homens de que Cristo está vivo e se relaciona com os homens.

Jesus ressuscitado e Maria Madalena, afresco do século XIV, Igreja Superior do Sacro Speco, Subiaco, Roma

O cardeal Georges Cotttier disse certa vez: “A testemunha é aquele que oferece seu corpo, põe à disposição a concretude de sua condição humana para que nela aja e resplandeça a graça do Senhor.”

E também don Giussani tem um belíssimo conceito de testemunho:

“Nós damos o verdadeiro anúncio por meio daquilo que Cristo perturbou na nossa vida, acontece por meio da perturbação que Cristo realiza em nós: tornamos Cristo presente por meio da mudança que Cristo realiza em nós. É o conceito de testemunho”.

Testemunho de Cristo é testemunho de santidade. E o que se chama comumente de “santidade” é a busca da santidade: somos habitantes do purgatório, mas temos o nosso olhar conscientemente voltado para Cristo todos os dias.

“Encontro de São Francisco com o Sultão”. Gioto

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Written by Sergio de Souza

Trabalho com produção de conteúdo textual. Brinco de traduzir The Red Hand Files.

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