A âncora e o navio (Nick Cave)

Sergio de Souza
2 min readSep 9, 2020

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A resposta nº 114 do cantor em The Red Hand Files

(tradução: Sérgio de Souza)

Se, durante décadas, uma âncora serviu a um navio que um dia resolveu cortar as correntes e partir, pode a âncora submersa criar asas? E se assim for, a âncora estará para sempre sobrecarregada com o peso de ter sido usada?
TOM, TEL AVIV, ISRAEL

“Querido Tom,

Uma âncora sem navio é apenas um pedaço de ferro inútil que jaz no fundo do mar. Uma âncora de nada serve uma vez que o navio tenha partido.

Na minha canção “Waiting for You”, escrevi —“Seu corpo é minha âncora / Eu nunca pedi para ser libertado” — e ainda que o contexto seja diferente, entendo o lugar doloroso em que você se encontra e não quero de forma alguma diminuí-lo; no entanto, seu atual estado é, em última análise, insustentável e, visto que estamos lidando com metáforas, não há razão para que eu não possa pelo menos cogitar a possibilidade de que você seja um navio que apenas pensa que é uma âncora.

A parte reveladora de sua pergunta são as últimas palavras: “oprimido pelo peso de ter sido usado”. Se continuar a se ver sob essa luz autodestrutiva, seja verdade ou não, você continuará sendo aquele pedaço de metal retorcido no fundo do oceano.

Meu desejo para você, meu amigo — e para todas as outras âncoras abandonadas que me escrevem do fundo do oceano — é a chegada de tempo em que você poderá se reinventar, não como a pobre velha âncora robusta enferrujando no fundo do mar, mas como a porra de um navio, volte para a superfície da água e faça o que os navios fazem — aventure-se e comece novamente a estranha, perigosa, gloriosa e turbulenta viagem da vida.

Com amor, Nick.”

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Sergio de Souza
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Written by Sergio de Souza

Trabalho com produção de conteúdo textual. Brinco de traduzir The Red Hand Files.

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