A mãe morte em suas duas faces
Francisco disse que a morte é nossa irmã.
Já eu, acho que ela é nossa mãe;
Uma grande e onipotente mãe,
Como aquela de Woody Allen nos contos de Nova Iorque,
Que não deixa escapar um gesto incircunciso
ou uma pena que caia ao chão sem que seu sentido opressor tenha ciência.
Uma mãe que engole seus filhos numa gula ciumenta de amor possessivo
Já durante sua breve e conturbada existência.
Ou uma pequena mãe pobre,
Que visita o filho criminoso na prisão,
de marmita em punho
(enrolada na toalha de prato
para deixar o almoço quentinho).
Que salva os dias como a misericórdia
Que escorre pela parede dos claustros
(Sua cela é a cozinha e seu hábito
o avental molhado e manchado de cloro)
Uma mãe que, destarte seu respeito visceral pela liberdade,
Ensina-nos as fundamentais artes
De questionar a vida
E deitar a boca no chão ante o mistério.
Foto de Miriam Labigalini