A Liberdade do Amor
Uma mini-crônica a respeito da liberdade — e das dores — do amor
É setembro. A cidade de Brighton tornou-se triste e fria. Mas em Los Angeles faz 27 graus e o sol brilha. Ainda assim, no rosto de Nick Cave permanece um ar soturno. Ele e Susie Buick, sua esposa, parecem um casal de vampiros. Quase sempre de preto, muito elegantes e sofisticados. Após a morte de Artur, filho do casal, aos 15 anos, em 2015, ao cair de um penhasco (havia consumido LSD), a belíssima Brighton, na Inglaterra, tornou-se uma cidade triste demais, até mesmo para Nick Cave. Nick e Susie mudaram-se para a ensolarada e festiva cidade dos anjos, Los Angeles, à procura de dias melhores. Mas logo voltaram para a Inglaterra, porque, segundo ele, “percebemos que, onde quer que vivêssemos, levávamos a tristeza conosco”. Como reza a letra de Heart that kills you, uma canção lado B de Cave, não adianta muito sair do seu jardim e ir para Los Angeles, porque, no fim das contas, é seu coração que te mata. Ainda que você possa ir onde quiser para fugir do luto, da perda e da tristeza, é seu coração que te mata.
Não vou nem ficar repetindo que amor rima com dor porque não quero que o meu tema aqui se pareça como um louvor ao masoquismo. O próprio Nick Cave, numa resposta recente para os Red Hand Files, disse que “a perda é absorvida pelos nossos corpos, do momento em que somos retirados do útero até o fim de nossos dias, sujeitados pela perda para que nos tornemos a própria essência do perder”. Creio que possa haver aqui algum tipo de imprecisão filosófica. Mas Cave não é um filósofo, é um cantor, um poeta. E, como literatura, ou como arte, é uma leitura válida. Mesmo que para alguns, mais rigorosos, não seja válida, é uma resposta bem bonita do bardo australiano.
(podemos até discutir, em outro texto, que a nossa essência tem mais a ver com bondade e alegria — aí estão Lady Julian de Norwich, Chesterton e C. S. Lewis [sempre os ingleses] para nos dizer! )
O amor pressupõe a liberdade, e a liberdade supõe a escolha e a escolha, um compromisso com o objeto amado, sob a pena de, não sendo assim, não poder ser chamado exatamente de amor. O amor envolve, necessariamente, um pacto. Uma aliança, não um contrato. Nick Cave, também escreveu um dos mais belos versos de amor da música pop (como Lou Reed, cujo verso que apontei num outro texto). Eu não preciso ficar explicando. Aqui Nick Cave deixa transluzir a liberdade do amor:
Your body is an anchor, never asked to be free
Just want to stay in the business of making you happy
“Nick Cave,” Waiting for you”
Talvez esse texto tenha sido escrito só para exibir esse verso.
Sirvo-te em teu corpo para fazer crescer tua alma, Cave está dizendo. Putz: amar é servir. A essência do amor é comprometer tudo o que você tem para fazer o bem a quem você ama. Amar deste modo é servir. Pense você mesmo nas consequências de se comprometer com o amor.
Você dá tudo e sabe que o seu amor pode se jogar de um penhasco de uma hora para outra. Seu amor pode ir embora. Pode se esconder na nuvem do não-saber. Você dá tudo e não tem garantias.
***
Embora seja setembro e faça 27 graus em Los Angeles, Nick e Susie já voltaram para a Inglaterra. E Nick recebeu recentemente a notícia da morte de outro filho, Jethro, aos 31 anos. A rainha também está morta.
E não há como fugir dos nossos próprios corações.