“A Caroline Jubilee”, Avett Brothers

Sergio de Souza
4 min readAug 26, 2020

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(resenha de 2013)

Country tradicional, indie rock, Ramones, Beatles. Hillbilly, bluegrass, punk, pop. Cow punk com Beach Boys. É assim o disco “A Caroline Jubilee”, dos Avett Brothers. Eles guardam o sotaque caipira norte-americano que aparece nos primeiros discos do Kings of Leon. Mas estão com os pés fincados na música country de raiz, que é a base sobre a qual entram outros elementos. Com muito bom humor — também típico dos caipiras — e uma fina melancolia que perpassa todo o álbum, os Brothers apresentam arranjos vocais irrepreensíveis e um instrumental eminentemente acústico, no qual se sobressaem um belo entrelaçamento de violões e banjos e melodias impecáveis como a de “Love Like the Movies” (se houvesse justiça no mundo pop essa música devia catapultar os Avett Brothers para o sucesso mundial).

“The Traveling Song” abre o álbum em clima de anarquia. Cow punk de estrada com vocais gritados.

“Love Like the Movies”, a da melodia perfeita, começa com o barulho da projeção de um filme para falar da diferença entre o amor nos filmes e na vida real:

“Now in the movies they make it look so perfect
And in the background they’re always playing the right song
And in the ending there’s always a resolution
But real life is more than just two hours long”

“Sorry Man” conta a clássica história dos pais que não aceitam o namorado da filha. Ele tenta de tudo para agradar, está fazendo o seu melhor, tentando impressionar, mas a mãe da garota de seus sonhos acha que ele é somente um cara deprimente. Embora permeada de bom humor, é um lamento e as vozes dos Brothers destilam tristeza country:

“No one could love her daughter like I do“.

“Me and God” começa com o banjo fazendo a cama para um violão de 12 cordas entrar com força total. No desenrolar da canção banjo e violão se revezarão num belíssimo arranjo onde, hora um, hora outro terá destaque. Enquanto o protestantismo roceiro dos irmãos Avett clama:

“My God and I don´t need a middle man”

“Pretty Girl From Raleigh”. Quem acompanha os Avett Brothers saberá que está é mais uma das tantas “pretty girls” de tantos lugares exaltadas pelos irmãos. E tome mais country alegre e cheio de energia.

“Do You Love Him” relata a dolorosa experiência de se apaixonar por alguém que está comprometido com outra pessoa. De certa forma, esta é mais uma música de dor-de-cotovelo, ou como se diz popularmente “música de corno”. Mas como é bonita! Eis:

“I do love you, I do feel you, each day and night.
But I can’t tell right from wrong, or fear from insight
But you always knew everything and that is what is clear
Do you love him?
Do you love him?
Do you love him, my dear?”

“I Killed Sally’s Lover” é um número caipirão de batida rápida em que o protagonista narra o assassinato do “amante de Sally”, sua amada garota. Contrasta com a melodia plácida de “Pretty Girl from Locust” , que é uma das mais belas melodias do álbum em que o destaque vai para a perfeita harmonia entre o piano que conduz, o violão e o banjo e mais uma vez, para uma emocionada interpretação que por vezes descamba para gritos desesperados.

“My Last Song to Jenny” é uma clara demonstração de que o terreno em que os Decemberists começaram a pisar em “The King is Dead” já era percorrido pelos Avett Brothers há um bom tempo. Se para os Decemberists isso significou uma aproximação da country music, para os Brothers pisar este terreno era aproximar-se do pop convencional,caminho que eles foram percorrendo cada vez mais até se aproximarem da fórmula do último álbum “The Carpenter”.

“Walking for You”. Blues, bluegrass, country e, ainda assim, pop. Os Avett são perfeitos artesãos pop.

“The D Bag Rag” é um número instrumental bem-humorado conduzido pelo piano que parece trilha sonora de desenho animado. Piano, violão e kazoo se revezam na condução desta pequena pérola. E gruda na cabeça feito jingle de campanha eleitoral.

Em “Pretty Girl from Annapolis” a quase onipresente influência dos Beatles se mostra. Talvez lembre a fase “Rubber Soul”, onde os fab four aproximaram-se da influência folk de Dylan. Beatles com banjo.

“Smoke in Our Lights” é uma balada country encharcada de tristeza:

“You’re not a girl, you’re a town
You’re snow on the ground
You’re my first year in school
You’re the words in a song that Hoon sang to me
And all around my memories, you dance”

“Offering” encerra o álbum. Os arranjos vocais dos Avett impressionam. É tudo tão perfeito, tão naturalmente equalizado, que quase esquecemos a simplicidade dos violões e de um cello sombrio que embala a canção, com um breve crescendo instrumental no final. Cantam lindamente sobre a incomunicabilidade do amor:

“Sometimes I act foolish / I don’t know what to do / Please babe try not to judge me / For my offering is true .”

Há uma última faixa, chamada (untitled) que talvez seja a “Revolution 9” dos Avett Brothers. Mas ela tem uma vantagem em relação à faixa do “Álbum Branco”: como é a última do disco, não se precisa pulá-la.

“A Carolina Jubilee” é o segundo álbum dos Avett Brothers e uma boa oportunidade para se introduzir na obra dos irmãos. Já há alguns meses o escuto sem parar. Foi lançado em 2003. Confesso que achei que eles seriam mais uma daquelas bandinhas de alt-country que surgem como salvadores do rock todo ano. Não são. Mas podem encher uma tarde de inverno de pura alegria e beleza.

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Sergio de Souza
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Written by Sergio de Souza

Trabalho com produção de conteúdo textual. Brinco de traduzir The Red Hand Files.

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